Tudo se fechava em mim.
O quarto com suas paredes brancas, o mundo com seus olhos brancos, as suas mãos em minha face.
Hoje faz 3 meses que você arrumou as malas e correu.
Nem trancou a porta de casa, nem trancou a porta dos olhos. Se fechou com o zíper enferrujado da sua mala velha e bateu a porta.
Imbecil.
Se você soubesse o peso que tirou das minhas costas.
Todas as suas reclamações, seu temperamento idiota, suas flores mortas no vaso, a cobrança.
Eu te odeio.
Mentira.
Encho o copo.
Se soubesse a vida que tirou das minhas costas.
Seu sorriso, suas mãos, as flores vivas na nossa cama.
Eu te odeio.
Sem nenhuma explicação, uma desculpa barata, um nada.
Esvazio o corpo.
De mim tudo se foi: levou o dinheiro, o carro, o apartamento e a vontade.
O olhar dos outros: de pena, de coitada, as saídas piedosas.
A merda da nossa cama que não consegui jogar fora.
Bebi todas as garrafas que tinha no armário, usei o resto da cocaína que comprei na semana que você foi embora e sai correndo.
Pela casa, pela memória, para o nada. Escancarei a porta e encarei o vazio que me esperava. Corri pelos corredores do prédio.
É sempre silencioso em janeiro quando as famílias patéticas viajam para suas casas de praia imundas, tentando esquecer que não se amam tanto quanto nas fotografias.
Peguei o machado que deveria ser usado em caso de incêndio.
O primeiro golpe foi o mais difícil, a porta reabriu a cicatriz que eu era.
Depois a geladeira, o micro-ondas, o sofá, a TV, os armários e o caminho todo até o quarto.
Parei na porta.
Tudo rodava, encostei na parede e senti a casa derretendo.
Até a alma
D
E
R
R
E
T
I
A
Cuspi na cama enquanto ela me chamava de idiota, de burra, de gorda e de puta.
O machado desembestou a rasgar tudo: espuma, penas, cobertores, ódio, ódio, ódio!
O passado estraçalhava e o armário sangrava junto com as roupas que eu rasgava.
Fui até a cozinha e trouxe uma garrafa de álcool. Espalhei pela cama inteira, só para ver se ela ainda lembra do calor de outrora.
Lembrei de uma coisa: A gaveta do criado-mudo.
A arma e o distintivo.
Nunca vi um policial mais escroto que esse.
Acariciei a arma como fazem os amantes em lua de mel.
Fui até a sala encarar nosso porta-retratos, a porta escancarada.
As lágrimas me faziam mulher crescida, a arma me fez uma mulher decidida.
Primeiro atirei em nossa foto, só para sentir o gatilho.
Desabei no sofá, a casa rodava, as fotos rodavam, o furo na parede, o sofá, as paredes, as fotos, a cama, o cheiro de álcool, o sofá, as fotos, o furo na parede.
Tem gente na porta.
Não mexi um músculo.
Tem gente na porta.
É a hora, Tereza, é agora!
Tem gente na porta.
“Tereza? Não dá mais pra adiar, eu tenho que pegar meu distin…que diabo você tá fazendo agora? O que aconteceu aqui?”
Sentei no sofá, de frente para ele. Meus olhos estão embaçados e tudo roda. Só vejo um vulto. Coloquei a arma na cabeça.
“Tereza, para com brincadeira idiota.”
“CALA BOCA, SEU MONTE DE MERDA! CALA BOCA!”
Bem no meio da testa.
Quem diria que o tiro seria certeiro?
Desgraçado.
Vomitei, mas não foi de nojo, foi de alívio.
Andei até ele. O sangue no chão, no piso branco, em seu rosto, no tapete, em minhas mãos.
O beijei com ternura, ele sempre foi lindo.
Tirei sua camisa e a vesti como fazia antes, deitando em seu peito nu.
Caminhei até o nosso quarto, deitei na nossa cama, o perfume dele em mim.
Acendi o isqueiro.
Nosso amor virou o fogo que queimou o prédio inteiro.
Nooooossa, que isso! Arrepiei aqui 👏👏👏👏