Era nova demais quando a barriga começou a crescer. Sabia muito da vida mas quase nada do todo. Desde criança aprendeu que quem não grita não come, foi criada em casa mas é filha da rua. Passou para o bebê toda a força que não sabia guardar. A mesma explosão de raiva que a faz jogar as coisas contra a parede, virou proteção. Uma leoa com os cabelos armados. A mãe do menino que quase nasceu no palco.
Mas não é sobre ele que quero falar. Ela, que passa batom para ficar em casa e ri com a voz rasgada, pega um violão com a corda desgastada, canta e diz que não sabe, sofre e diz que não cabe. Um empurrãozinho e abre a asa igual passarinho. Derruba o teto da varanda com a força do vento, o centro da cidade é um borrão de cimento. Ela volta, coloca o menino nas costas e parte pro mundo, montando um ninho em cada carinho, buscando um espaço que caiba sua juba, suas asas, seus sonhos e um vinho.
É segunda a noite e ela finge que dorme. Com os olhos escondidos mirando a janela, o mundo chama. Eu jogo no vento um sussurro baixinho para que ouça o quanto acredito nela. Ouviu? O mundo chama, não tem culpa quem ama. Ouve e não tem medo não. Sê inteira, sê fogo.
*Lockdown/2020