Pequod

Dormi até chorar quando deveria estar escrevendo sobre Almodôvar e qualquer coisa sobre a mãe de alguém.
Existe um buraco onde moro agora, não sei de onde veio,não sei para onde vai.
É uma festa e eu não conheço ninguém. A pessoa estranha da escola que anda sozinha por não ter opção. Mas eu tenho opção. Não ando só mas só estou.
E eu despiroco sem saber direito o porque e uso qualquer desculpa palpável para tentar entender o que no fundo nem eu sei.

Não desliga por favor! Na verdade,não quero falar agora.

Eu aguentei por tanto tempo e transbordei sem alento.
Tudo bem, tá tudo bem
Relaxa
Se eu precisar eu aviso sim
Fica de boa

Tem uma rede no meu estômago e tudo o que pesquei é de plástico.

Cansada de morrer.

É difícil para alguém que engole as palavras vomita-las de uma vez. É preciso paciência e muitos lenços de papel. A casa vazia, os gatos correndo, eu comigo. Uma estranha e, ao mesmo tempo, tão conhecida. O coração sopra um vento gelado, como se uma janela estivesse aberta esperando a primavera começar. Brotar girassóis da garganta e perder a insegurança de ser pior que quem me cerca. Identifico-me muito com a garota dos sonhos dos millenials, começa divertida, fofa, te mostra um lado do mundo que você não conhecia, é engraçada e impulsiva. Até não mais. Até eu ganhar confiança o suficiente para mostrar um dos meus dragões e viro humana. Sempre fui. Mas não assim. É complicado não se comparar quando palavras de zombaria ecoam nos ouvidos. As mesmas que eu engoli. Dessa forma, desenvolvi a necessidade de agradar todo mundo antes de mim. É foda ser a segunda opção de você mesmo. Eu não sei dizer não. Sim, a psicóloga sabe disso e eu sei que é um problema. É um processo, entende? Eu sei cuidar melhor do outro. Claro. Óbvio. Olhar para dentro dói. Porra, onde foi que eu me perdi? Com quem foi que eu me perdi? Montei uma personagem e vivi como essa persona. Até agora. E é complicado separar o que é real e o que é montagem.

Eu tô cansada de morrer.

Numas.

Eu te enxergava. Você tem o costume de virar o rosto e disfarçar a conversa com qualquer coisa não faça o menor sentido.
Sempre soube o que você sentia mesmo em silêncio. Mas queria ouvir. Precisava acreditar. Tem dia que o corpo todo treme e o mundo me esmaga, as janelas parecem longe demais, os gatos me olham preocupados. Você também me enxerga.
Ainda assim eu sento no braço do sofá encarando o casal do apartamento da frente enquanto fumo um cigarro que já prometi quatro vezes (só no último mês) que não ia mais fumar. Também não aprendi a pontuar. Nada. Evito falar. A coisa não tem volta, sabe? O cérebro guarda tudo e revive mais de mil vezes e tudo o que a gente fala e ouve, gruda.

Igual nossa música.
Igual o cheiro de cigarro no cabelo.
Igual o cheiro dos seus dedos depois de percorrer meu corpo.
Igual o gosto do seu corpo nos meus beijos.

Então evito. Para não estragar nada. Mas ainda assim, é comigo que você está lidando. Eu me conheço. Muito mais do que eu gostaria. É que faz as janelas apertarem. Os gatos se aninharem. É o que te faz ficar?

Tive uma conversa com uma amiga que as pessoas realmente gostam da gente pela impressão e pela referência que passamos para o mundo. É possível gostarem da gente pela gente? Se fossemos um monte de fumaça, sem estilo, sem presença, sem emprego, sem nada. Ainda assim você ficaria? Sei que vai dizer que sim. Mas. Não sei.

As coisas se repetem no meu cérebro como um carrossel. Eu não relaxo. Respira comigo. Eu não relaxo. Você enxerga? Você vê?

Eu não.

Antes de muita coisa

Eu sei que não parece e, sinceramente, eu prefiro que não.

Por fora as marcas são poucas, finas, escondidas nos pulsos e tornozelos.

Tudo o que eu não falei

Tudo o que eu não falei

Tudo o que eu não falei

Pulsa

Grita

Não me deixa dormir

Não me deixa pensar

Aspiro o fogo pra saber se brilho por fora

Entre todas as coisas que eu não falei, essa eu avisei

É questão de tempo pra saber se a sua paz aguenta meu ódio

Se sua paciência é o suficiente pra ouvir meus surtos

Se seu pulmão respira quando o meu sofre

Hoje o dia doeu.

Quarta.

Beija meu desespero
Enfrenta meu caos
Anda comigo ou solta da minha mão
É uma bagunça o que acontece por dentro
Freak on a leash
Não tem revolta não
Simbiose é amizade
Porto seguro
Dois lados escuros que caminham
Sem se importar com a luz
Tem dias que ardem
Tem ardores que elevam
O coração bate torto
É fraco
É falho
É doido
É maravilhoso
Estar
Vivo
Mesmo
que
doa.

 

478

Som alto
Esqueleto de beija flor
O aperto no peito
478
É o da sorte
Joga no bicho
Não posso
Onde foi?
Não atende
Não responde
Esqueleto de beija flor
As asas não param
O coração não para
4-7-8
Tô tentando
Desculpa
Tô nervosa
4

7

8
O ar escapa pelo nariz ao mesmo que a água chega na garganta
I go back to black
Vai, de novo
478478478478478478
Vai assim mesmo
Força
Esqueleto de qualquer coisa.

Vou fazer outra tattoo,
Alguma coisa que resolva.

Objeto no trilho.

Do Jardim Umarizal para Carlos Berrini.
Assassinato na porta da padaria e acidente de moto na marginal. 
Vi da janela de casa.
Vi da janela do carro.
A CPTM tá cansada e cercada de olhos vorazes.
Qualquer coisa, parceiro, ajuda nois.
Vendo rosa no farol para ajudar lá em casa, sabe como é?
Bala a dois reais para não ter que viver com a sogra.
É correria.
Luciano Huck na tv, Portiolli no youtube.
Lixo na praça de alimentação.
Criança comendo bala.
Não pode, olha o glúten.
Me ajuda a completar a passagem?
Umdois para ajudar a dormir.
Despacito para não pensar.
Cada esquina um sotaque.
Cada sotaque uma história.
Tem amor sim.
Não tem amor não.
Depende de quem vê.
Do Jardim Umarizal para Carlos Berrini.

Maria do Socorro 

Lembro como se fosse ontem do passarinho que entrou pela janela e atravessou a cozinha como se pertencesse ali.
Passou rasante sobre a mesa ameaçando o seu vaso preferido e foi embora como se não fosse doer.
Ao mesmo tempo, o telefone tocou.
Meu coração sentiu cada chamada.

Você também foi embora.
No dia choveu como não chovia há dias.
Eu chovia inteiro, cada poro do meu corpo se transformava em tempestade, raios nas pontas dos dedos cada vez que te tocava.
É como se você tivesse tomando um banho com a água gelada que batia lá fora.
O mundo agora te envolve em um manto de renda.

Levei o seu vaso de orquídea preferido no vasinho preto de plástico que ela sempre viveu. Minhas mãos parecem grandes demais, eu pareço grande demais.
“Queria que tivesse sido eu a levantar voo”
De vez em quando a minha memória era solidária a minha dor e me fazia esquecer o real motivo de toda essa gente estar me doando sentimentos.
É egoísta pensar que eu quem deveria ter ido porque aí você é quem sofreria.
E eu não machuco passarinhos.

Uma vida toda guardada em uma caixa de madeira.
Fadada ao meu esquecimento.
A única certeza que a gente tem é triste.

Como dizia, no dia chovia.
Mas no momento em que o mundo abriu os braços para o seu descanso, o céu foi sonoro.
Mais de dez pássaros vieram te ensinar a viver lá de cima.
Olhando em volta, todos os meus amigos estão com os cabelos brancos.

Agora é só questão de tempo até o manto do mundo vir cobrar suas dívidas.
Suas saudades.
Suas vontades.
Sua voz.
Amém.

Quem? 

Foi você quem disse que eu deveria “me resumir a minha insignificância.”

Ainda assim eu deixo deitar na minha cama todos os dias.

Você grita e grita e grita e joga um abajur contra mim.

O porteiro chama a policia e eu peço que não.

Não faz isso com ela não.

Talvez eu não mereça a sinceridade, talvez eu não mereça nada de bom.

Você ressalta o pior em mim e ainda assim eu fico.

Respiro cada palavra que você diz como se fosse oxigênio.

Porque você mentiria?

Logo para mim.

Você grita e grita e grita e joga uma panela contra mim.

O porteiro chama a policia e eu peço que não.

Não faz isso com ela não.

Diz que vai mudar,que vai melhorar, que vai na terapia e o raio que te parta.

Pelas janelas os vizinhos assistem e acham graça. Eu com esse tamanho todo?

Você com as chaves na mão grita que dessa vez vai embora de vez e eu vou morrer sozinho.

Ninguem vai me querer.

Só você.

Ninguém no mundo inteiro.

Só você.

Ninguém.

Você tem esse poder, de me amarrar no chão só com a força do pensamento.

Eu estava esperando que você fosse a merda.

E você nem existe.

É só o espelho.

Você nem existe.

Grita e grita e grita e grita.

Você tem a minha voz.

Você taca o abajur em mim com as minhas próprias mãos.

O porteiro quer chamar a policia e eu peço que não.

Não faz isso comigo não.

Eu nem existo.