Seria rápido.

Eu poderia fazer com que você esquecesse tudo. As músicas que aprendeu com ela, as danças, os beijos, os toques que reutilizava em mim. Uma lobotomia, deixando as dores na minha memória.

Eu pararia. De verdade mesmo. Pararia de perder horas do meu dia procurando vestígios sobre mim. Lembrando do que já foi enterrado. Pararia de dividir com outras pessoas que meu coração chama pelo seu nome. Um pulo curto, deixando a água se espalhar pelo rio.

Dei em cima de todas as pessoas que você conhece mas não consegui ir em frente. Eu via as suas piadas, suas músicas, as referências que te ensinei passadas para frente, te montei com o melhor que eu tinha. Um grito súbito, deixando os vizinhos preocupados.

Não aprendi a teoria de nada. Gramática, arte, escrita. Só deixo vir e, as vezes, vem tudo errado. Coisa que também é certa. O que é um acento quando uma palavra traz uma lágrima? O que é um sorriso quando o caminho não tem sentido? O que são as dores inventadas pelos dedos pelo teclado? Um tiro rápido te faria esquecer, deixando as lembranças pela parede.

Coração na mão

Eu sinto em todos os meus ossos os gritos da minha cabeça

Eles escorrem pelos olhos e tudo dói

Você chegou no meio do furacão

Minha guarda tá baixa, eu ando sentindo tudo ao mesmo tempo

Na terapia, disseram que isso mesmo o que tem que acontecer. Me deixar sentir. Mas eu sinto demais.

Me culpo pq acabo me apoiando em você

Não é justo

Lembra da gente como estamos hoje

Meu pulso arde

Minha proteção se perdeu

Me entregar dá medo

Sentir da medo

Eu não tô acostumada

Sempre reprimi tudo

Lembra da gente como estamos hoje

Hoje eu lidei com tudo sozinha

E quis d e s a p a r e c e r

Numas.

Eu te enxergava. Você tem o costume de virar o rosto e disfarçar a conversa com qualquer coisa não faça o menor sentido.
Sempre soube o que você sentia mesmo em silêncio. Mas queria ouvir. Precisava acreditar. Tem dia que o corpo todo treme e o mundo me esmaga, as janelas parecem longe demais, os gatos me olham preocupados. Você também me enxerga.
Ainda assim eu sento no braço do sofá encarando o casal do apartamento da frente enquanto fumo um cigarro que já prometi quatro vezes (só no último mês) que não ia mais fumar. Também não aprendi a pontuar. Nada. Evito falar. A coisa não tem volta, sabe? O cérebro guarda tudo e revive mais de mil vezes e tudo o que a gente fala e ouve, gruda.

Igual nossa música.
Igual o cheiro de cigarro no cabelo.
Igual o cheiro dos seus dedos depois de percorrer meu corpo.
Igual o gosto do seu corpo nos meus beijos.

Então evito. Para não estragar nada. Mas ainda assim, é comigo que você está lidando. Eu me conheço. Muito mais do que eu gostaria. É que faz as janelas apertarem. Os gatos se aninharem. É o que te faz ficar?

Tive uma conversa com uma amiga que as pessoas realmente gostam da gente pela impressão e pela referência que passamos para o mundo. É possível gostarem da gente pela gente? Se fossemos um monte de fumaça, sem estilo, sem presença, sem emprego, sem nada. Ainda assim você ficaria? Sei que vai dizer que sim. Mas. Não sei.

As coisas se repetem no meu cérebro como um carrossel. Eu não relaxo. Respira comigo. Eu não relaxo. Você enxerga? Você vê?

Eu não.

Antes de muita coisa

Eu sei que não parece e, sinceramente, eu prefiro que não.

Por fora as marcas são poucas, finas, escondidas nos pulsos e tornozelos.

Tudo o que eu não falei

Tudo o que eu não falei

Tudo o que eu não falei

Pulsa

Grita

Não me deixa dormir

Não me deixa pensar

Aspiro o fogo pra saber se brilho por fora

Entre todas as coisas que eu não falei, essa eu avisei

É questão de tempo pra saber se a sua paz aguenta meu ódio

Se sua paciência é o suficiente pra ouvir meus surtos

Se seu pulmão respira quando o meu sofre

Hoje o dia doeu.

Quarta.

Beija meu desespero
Enfrenta meu caos
Anda comigo ou solta da minha mão
É uma bagunça o que acontece por dentro
Freak on a leash
Não tem revolta não
Simbiose é amizade
Porto seguro
Dois lados escuros que caminham
Sem se importar com a luz
Tem dias que ardem
Tem ardores que elevam
O coração bate torto
É fraco
É falho
É doido
É maravilhoso
Estar
Vivo
Mesmo
que
doa.

 

Parte

Às vezes você aparece na fila do metrô
No meio de uma fórmula de excel
Naquela frase daquela série
Na sessão nostalgia do rádio.
E me derruba.

Os pés congelam no chão, as pessoas passam apressadas
Nossa história na minha cabeça
Do começo ao fim
Como um flashback de guerra
Às vezes você aparece e tudo dói
Todas as coisas que não gritei
Que calei
Rodam no copo de café

Assombração

Dependendo do dia a memória é boa
Dependendo do dia, destrói.
Me deixa arisca
As cicatrizes ardem
E eu me calo no sofá

Às vezes você parece na minha voz
Nos meus julgamentos
Nos meus ataques de fúria

Nunca vou te esquecer
Mas gostaria.

Mulher Decidida

Tudo se fechava em mim.

O quarto com suas paredes brancas, o mundo com seus olhos brancos, as suas mãos em minha face.

Hoje faz 3 meses que você arrumou as malas e correu.

Nem trancou a porta de casa, nem trancou a porta dos olhos. Se fechou com o zíper enferrujado da sua mala velha e bateu a porta.

Imbecil.

Se você soubesse o peso que tirou das minhas costas.

Todas as suas reclamações, seu temperamento idiota, suas flores mortas no vaso, a cobrança.

Eu te odeio.

Mentira.

Encho o copo.

Se soubesse a vida que tirou das minhas costas.

Seu sorriso, suas mãos, as flores vivas na nossa cama.

Eu te odeio.

Sem nenhuma explicação, uma desculpa barata, um nada.

Esvazio o corpo.

De mim tudo se foi: levou o dinheiro, o carro, o apartamento e a vontade.

O olhar dos outros: de pena, de coitada, as saídas piedosas.

A merda da nossa cama que não consegui jogar fora.

Bebi todas as garrafas que tinha no armário, usei o resto da cocaína que comprei na semana que você foi embora e sai correndo.

Pela casa, pela memória, para o nada. Escancarei a porta e encarei o vazio que me esperava. Corri pelos corredores do prédio.

É sempre silencioso em janeiro quando as famílias patéticas viajam para suas casas de praia imundas, tentando esquecer que não se amam tanto quanto nas fotografias.

Peguei o machado que deveria ser usado em caso de incêndio.

O primeiro golpe foi o mais difícil, a porta reabriu a cicatriz que eu era.

Depois a geladeira, o micro-ondas, o sofá, a TV, os armários e o caminho todo até o quarto.

Parei na porta.

Tudo rodava, encostei na parede e senti a casa derretendo.

Até a alma

D

           E

                       R

                                  R

                                        E

                                                  T

                                                              I

                                                                          A

Cuspi na cama enquanto ela me chamava de idiota, de burra, de gorda e de puta.

O machado desembestou a rasgar tudo: espuma, penas, cobertores, ódio, ódio, ódio!

O passado estraçalhava e o armário sangrava junto com as roupas que eu rasgava.

Fui até a cozinha e trouxe uma garrafa de álcool. Espalhei pela cama inteira, só para ver se ela ainda lembra do calor de outrora.

Lembrei de uma coisa: A gaveta do criado-mudo.

A arma e o distintivo.

Nunca vi um policial mais escroto que esse.

Acariciei a arma como fazem os amantes em lua de mel.

Fui até a sala encarar nosso porta-retratos, a porta escancarada.

As lágrimas me faziam mulher crescida, a arma me fez uma mulher decidida.

Primeiro atirei em nossa foto, só para sentir o gatilho.

Desabei no sofá, a casa rodava, as fotos rodavam, o furo na parede, o sofá, as paredes, as fotos, a cama, o cheiro de álcool, o sofá, as fotos, o furo na parede.

Tem gente na porta.

Não mexi um músculo.

Tem gente na porta.

É a hora, Tereza, é agora!

Tem gente na porta.

“Tereza? Não dá mais pra adiar, eu tenho que pegar meu distin…que diabo você tá fazendo agora? O que aconteceu aqui?”

Sentei no sofá, de frente para ele. Meus olhos estão embaçados e tudo roda. Só vejo um vulto. Coloquei a arma na cabeça.

“Tereza, para com brincadeira idiota.”

“CALA BOCA, SEU MONTE DE MERDA! CALA BOCA!”

Bem no meio da testa.

Quem diria que o tiro seria certeiro?

Desgraçado.

Vomitei, mas não foi de nojo, foi de alívio.

Andei até ele. O sangue no chão, no piso branco, em seu rosto, no tapete, em minhas mãos.

O beijei com ternura, ele sempre foi lindo.

Tirei sua camisa e a vesti como fazia antes, deitando em seu peito nu.

Caminhei até o nosso quarto, deitei na nossa cama, o perfume dele em mim.

Acendi o isqueiro.

Nosso amor virou o fogo que queimou o prédio inteiro.

Maria do Socorro 

Lembro como se fosse ontem do passarinho que entrou pela janela e atravessou a cozinha como se pertencesse ali.
Passou rasante sobre a mesa ameaçando o seu vaso preferido e foi embora como se não fosse doer.
Ao mesmo tempo, o telefone tocou.
Meu coração sentiu cada chamada.

Você também foi embora.
No dia choveu como não chovia há dias.
Eu chovia inteiro, cada poro do meu corpo se transformava em tempestade, raios nas pontas dos dedos cada vez que te tocava.
É como se você tivesse tomando um banho com a água gelada que batia lá fora.
O mundo agora te envolve em um manto de renda.

Levei o seu vaso de orquídea preferido no vasinho preto de plástico que ela sempre viveu. Minhas mãos parecem grandes demais, eu pareço grande demais.
“Queria que tivesse sido eu a levantar voo”
De vez em quando a minha memória era solidária a minha dor e me fazia esquecer o real motivo de toda essa gente estar me doando sentimentos.
É egoísta pensar que eu quem deveria ter ido porque aí você é quem sofreria.
E eu não machuco passarinhos.

Uma vida toda guardada em uma caixa de madeira.
Fadada ao meu esquecimento.
A única certeza que a gente tem é triste.

Como dizia, no dia chovia.
Mas no momento em que o mundo abriu os braços para o seu descanso, o céu foi sonoro.
Mais de dez pássaros vieram te ensinar a viver lá de cima.
Olhando em volta, todos os meus amigos estão com os cabelos brancos.

Agora é só questão de tempo até o manto do mundo vir cobrar suas dívidas.
Suas saudades.
Suas vontades.
Sua voz.
Amém.

Storms are named after people. 

Olhar para você me bastava.

Tanto que nem via as cicatrizes que vejo hoje.

O desespero da culpa quando ela não existe.

Você fez tanto estrago e acho que nem sabe.

Prefiro acreditar que não saiba.

Que não foi pensando.

Que não foi calculado.

Eu te desejo o bem.

Apesar das minhas crises tão bem alimentadas,

A pesar.

Pelo menos eu sei de onde veio,

As lembranças me alcançaram hoje de manhã.

Eu te desejo o bem,

Mesmo que o seu mal tenha me marcado.

Toda tempestade destrói ao mesmo tempo que rega.

Recomeço 

Você me apresentou as crises existenciais.

Sabe, meu psiquiatra ama o jeito que você entrou – e deixou – minha vida.

Foi dramático demais para ser verdade.

Minha história favorita é a de quando nos conhecemos. Lembra? Naquele bar imundo?

E fui eu quem decidi que seríamos dois.

Te encarei porque queria causar desconforto ou qualquer coisa que fizesse você perceber que eu estava ali.

Até hoje lembro do susto que tomei quando você sorriu, o calor percorreu meu corpo como se eu tivesse te reconhecido de algum outro lugar.

Tive vontade de ficar.

E acabei ficando.

Vê-lo partir não foi tão fácil quanto querer que partisse, sabe?

Enche meu copo aí, valeu.

Tudo desandou como as coisas tendem a desandar.

Aquele bar virou nosso lugar favorito de gritar um com o outro.

Lembra?

“Amores violentos têm fins violentos” já dizia Shakespeare.

Deixa pra lá, não sei explicar.

Não é drama, é?

Mas fala sério, você lembra? Do bar?

Você achava engraçado esse meu jeito todo largado que fala o que pensa, que sente o que não quer e que grita para todo lado, exigindo que o mundo se abria só para mim.

E abre! Não abre?

(Abre sim.)

Cala a boca.

Sabe, era para você pra ser alguém. Mesmo quando debochei daquele buquê do tamanho da  Amazôna, álias, alguém do greenpeace deveria ter te impedido de chegar na minha casa.

O porteiro deveria ter impedido que você dissesse meu nome.

Você deveria ter impedido que eu me entregasse.

Não, desculpa, a culpa não é sua.

É uma bela merda.

E é uma pena.

Obrigada, a gente se vê.

Eu sentia meu corpo voando pelo espaço, pelo tempo. Via você, via minha mãe, via aquela mesa de bar, viaseu sorriso, rodando, rodando, algo quente descendo pela minha testa, vermelho, via você, via você, rodando, via minha mãe, via meus avós, via minhas risadas, via minhas saudades, vermelho, vermelho, via você, vi domingos, via felicidade, via lágrimas, vidro, vermelho, silêncio. O resto era só silêncio. Só lembro do branco, do teto, do lençol, do chão.

Foi como renascer, sem clichê, sem citação de livro de auto-ajuda.

O branco do recomeço.

É tudo consequência de viver, sabe?

A gente vive para perder: nós mesmos, o amor, a vida, as flores.

Fui eu quem apagou todas as velas.

A gente se vê por aí.

Numa outra vida, num outro bar.