Cafézinho

Um cafezinho para aquecer qualquer coisa aqui dentro.
O não saber o que sou e o que fazer se abandonar tudo.
Sair correndo!
Para onde?
Fazer o que?
A angústia.
Mais um shot.
Mais um cigarro.
Não fumo mais.
E daí?
Do que importa, afinal?
Um monte de interrogações.
Amigos falam em psicólogos
Respondo em bares
Falam em tempo certo
Não sinto os novos ares
Não fumo mais.
Não bebo mais.
Não sinto mais.

Mentira.

É.

É um desespero já conhecido por algo que ainda não conheço.
É Romeu com a arma de Tebaldo na cabeça.
“Either thou, or I, or both, must go with him.”.
É a vontade de pular da sacada e ter asas.
É a gripe que me deixa com cara de poucos amigos.
São os poucos amigos.
É a vontade de fumar.
É a anemia, a preguiça e as olheiras.
“I´m so tired I can´t sleep”
É o arrepio gelado que sobe nas costas e faz tremer as mãos.
É o tempo cinza que eu mais gosto.
“Keep breathing; find a scheme you believe in.”

É a sua falta.

Eu só queria o seu olhar
O sol queima as feridas
Essa vida inconstante
Que me fez romântica
Pronta pra se perder no acaso
Eu só queria o seu olhar
E algumas palavras no espelho do banheiro
Desliga a TV
Desliga a luz
Desliga o sol
Acende o coração.

Alba.

A água desce até as costas
Uma alma encharcada
Sai dessa bolha já tão gasta
Olha para frente…
Olha para mim!
Esquece.
Não é de você.
Esquece.
São as luzes e as risadas.
Cicatriz depois de fechada ainda permanece.

“Deixa de besteira, é Natal.”
“Eu sei, é que saudade não conhece feriado.”

Foi num sábado.

Levantou voo e tocou o céu
Eu sabia que sempre tinha sido o lugar dela
Um abraço apertado pela cintura fina
Uma mão grande foi à ajuda
A saudade fica
O dia saiu do azul
Os ipês se derramaram em um tapete amarelo
Era possível ver toda a força

Um vento gelado se alojou na espinha.
Foi o reencontro de Romeu e Julieta.
E o público evaporava em lágrimas.
Mas também em sorrisos.
A saudade transborda.

No caminho

Engraçado como a vida revira minhas entranhas.
Com suas dúvidas tamanhas.
O não e o para que saber.
E ainda assim, o procurar saber.
Ir atrás de cada não
Mesmo na contramão.
Contrariar o trato com o fato
Manchar com tinta o seu retrato.
A gritaria das guitarras
A sujeira das palavras.
Minha alma que se espanta
Cada vez que você canta.

O sabor de todas as plantas
O perecer de todas as rimas.

Roxanne

Ela vivia do avesso, entre caras e tropeços.
E eu já não a impedia de nada.
De quarto em quarto seus olhos se apagam.
Por um bom preço, ela é toda sua.
Sua sala-de-estar, sala-de-fingir, sala-de-se-livrar.
Como um brinquedo velho, ela se esconde pelos cantos enquanto ele se veste.
Enquanto ela se esquece.
Se perde no escuro profundo das almas amarguradas.
E não acha estranho.
Chega a achar bonito se perder desse jeito.
Na hora certa ela vai embora.
E ele não vai precisar ligar de volta.

Morra Lílian.

Ela escrevia por todos os lados que se achava “fora do corpo” , como se o coração batesse sem música, costumava dizer que não se importava com os acontecimentos banais da vida que pensava em quantas formas se mataria: arma, estilete, rodovia. Sozinha. Não sei dizer o porque, talvez ela seja uma daquelas almas com feridas mal cicatrizadas que evita todo e qualquer espelho.

Não conversava comigo, ela não deixa ninguém se aproximar. Percebi esses detalhes depois de tanto procurar fazer parte dela e ao ler um caderno surrado que ela esquecera no estúdio em uma segunda-feira. Era óbvio que eu não poderia devolvê-lo pessoalmente, isso a destruiria, ter seus segredos descobertos assim, por um deslize da memória.

Eu queria ser dela, todo e só dela, mas ela estava ocupada demais olhando pro chão para olhar para o lado.

Eu não a conhecia mas a reconhecia, tive a impressão de vê-la em mim. Eu era recém formado e ali era o meu primeiro emprego, tudo muito bizarro, meus olhos pararam nela como se ela fosse a única pessoa ali, sentada no fundo da sala com os olhos encarando uma folha de papel, achei que chorava, mas não, os olhos dela são assim, marejados. Eu amo isso. São de um castanho quase cinza e os cabelos cor de cobre ou qualquer coisa do tipo, depende da luz.

Resolvi ir até ela, andei inspirado em Marlon Brando em “O Selvagem”, não tinha como ela resistir; sentei, passei a mão no cabelo, sorri torto e disse “Oi”, ela me devolveu um “oi” vazio, que transformou meu Marlon Brando em Thom Yorke. O que será que a ocupava tanto? O que será que havia acontecido com ela? Por que ela não olha pra mim?

Porra, ela me apresentou as crises existenciais.

Ela me irrita às vezes, a Lílian, por ter criado essa barreira estúpida entre as pessoas. Entre nós.

Depois do caderno eu tive um pouco mais de paciência com nossas conversas monossilábicas e a maneira que ela não me deixa olhar em seus olhos. Cheguei mais cedo na terça e deixei o caderno onde deveria estar e fui até a lanchonete tomar meu café. Quando a vi ela sorria, eu duvidava que ela tinha dentes. Parecia que ninguém ali a enxergava, achei bom que não, não suporto competição e ter que chamar a atenção dela sem ninguém por perto já é difícil imagine se ela estivesse sempre rodeada por rapazes cheios de hormônios querendo tocá-la em todas as partes que já são minhas.

Eu quero bater nela. Não, talvez não seja muito apropriado. Eu quero alguma reação.

Quer saber? Morra Lílian.

Renasça em mim.

Creative Commons License
Lílian by Gabriela Bonavita Sarti is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil License.

Chaves e batatas.

Um amigo anda preocupado com o avô que está no hospital. Odeio quando avôs vão para o hospital, seja para qualquer coisa. A minha preta vive em médico disso, médico daquilo, eu já falei pra ela parar e ir tomar uma cerveja comigo. Ela só toma cerveja preta.
E essa assunto de avós me lembrou do meu avô.

Meu avô morreu em novembro. Ele era grande e me chamava de Chica (Tchica) apesar de ser um puta italianão, falava alto, bem alto e com as mãos. Eu adorava o jeito que ele dançava, ele dava uma rebolada daquelas que você estica os braços para frente e balança pra lá e pra cá e as chaves batiam nele mesmo e ele ria. Me lembro do barulho das chaves misturadas com a risada e isso faz rir até hoje.
Lembro do dia que ele levou meu irmão para brincar no fliperama do Shopping Butantã e eu estava na escolinha, quando voltei para a casa da minha vó eles não estavam lá e achei aquilo estranho. Quando entraram pela porta fui direto perguntar onde estavam e meu avô me disse que tinham ido lavar o carro, só que meu irmão estava com um pacotinho de pipoca escrito “Shopping Butantã” e eu falei isso para ele. Ele riu alto “Mas olha só, já sabe ler Chica? Quanto tempo eu passei na rua?” e me levou pra comer algodão-doce.
Me lembro do quanto ele amava batata, seja ela frita, assada, no frango, talvez por ter sido batateiro na feira. Imagem o tamanho dele! Ele pode parecer muito maior pra mim, pela grande admiração, pelas risadas, pelos pulos que eu dava nele a toda hora, por pintar comigo o caderno de desenhos, me dar o primeiro gole de pinga, pelas tardes na cantina do colégio que ele trabalhava, pelo abrigo na chuva e por todas as vezes que me protegeu das baratas mutantes comedoras de Gabriela que apareciam na casa dele.
Nunca disse nada disso diretamente, mas nunca fomos de sensibilidades, com a gente era piada, risada, filme de velho oeste e jogo. De futebol, de vôlei, de basquete, de golf, a gente assistia qualquer coisa. Quer dizer, até ele dormir no sofá e eu colocar em outro canal.
Hey Seu Vicente, já passaram três anos desde o seu último sorriso mas ele tá aqui guardado comigo refletido em toda e qualquer risada minha. E vê se desiste, eu ainda não vou te dar um pedaço do meu cabelo para cobrir sua careca, acho que agora a cor não vai combinar muito. E nesse natal eu prometo me entupir de batatas igual a gente fazia.