Jaula de apartamento.

Tenho mania de colocar ‘hahaha’ depois de todas as mensagens. Não sei direito o porque, pensei nisso hoje de manhã. Coloco ‘.’ para mostrar que estou brava. Como se minha escrita passiva-agressiva não fizesse isso sozinha.

Parei na janela hoje de manhã ouvindo uma cantora nova, dessas que pegam na alma. Tem um friozinho gelado batendo no coração e um monte de minhocas se revirando no meu estômago. É, minhocas. Borboleta é coisa de adolescente. Então, as minhocas. Vi em uma notícia, dessas que aparecem sei lá da onde no nosso feed, que se você alimenta-las por 30 dias seguidos com coisas saudáveis elas soltam um trequinho para misturar na terra para as plantas crescerem bonitas. Coisas saudáveis são difíceis de encontrar.

Mentira.

Eu queria borboletas.

Em dias assim, meu coração bate sete vezes mais rápido que o normal. As mãos tremem e meu rosto procura o sol. Dá um alívio por cerca de seis minutos. Dentro desse espaço tempo até que é bom mas aí volta, sabe?

Apareçam formigas aqui em casa e ainda não descobri de onde elas vem. Aparecem no sofá, no meu braço, na minha perna. Deve ser das coisas doces que abandonei por aqui buscando por coisas mais doces ainda. Elas sobem consumindo o que coloco para fora, levando para outro lugar, repassando para as outras e me deixando amarga, desacreditada, medrosa.

Do que? De tudo. Das pontas dos dedo tão geladas, da pilha de roupas em cima da minha cama, da pia cheia de louça, de te deixar entrar. De todas essas palavras que eu jogo sem revisar. É coisa que eu faço, sabe?

Invento borboletas nas costas de minhocas.

*Lockdown/2020.



Paloma

Era nova demais quando a barriga começou a crescer. Sabia muito da vida mas quase nada do todo. Desde criança aprendeu que quem não grita não come, foi criada em casa mas é filha da rua. Passou para o bebê toda a força que não sabia guardar. A mesma explosão de raiva que a faz jogar as coisas contra a parede, virou proteção. Uma leoa com os cabelos armados. A mãe do menino que quase nasceu no palco.

Mas não é sobre ele que quero falar. Ela, que passa batom para ficar em casa e ri com a voz rasgada, pega um violão com a corda desgastada, canta e diz que não sabe, sofre e diz que não cabe. Um empurrãozinho e abre a asa igual passarinho. Derruba o teto da varanda com a força do vento, o centro da cidade é um borrão de cimento. Ela volta, coloca o menino nas costas e parte pro mundo, montando um ninho em cada carinho, buscando um espaço que caiba sua juba, suas asas, seus sonhos e um vinho.

É segunda a noite e ela finge que dorme. Com os olhos escondidos mirando a janela, o mundo chama. Eu jogo no vento um sussurro baixinho para que ouça o quanto acredito nela. Ouviu? O mundo chama, não tem culpa quem ama. Ouve e não tem medo não. Sê inteira, sê fogo.

*Lockdown/2020

Você viu onde eu guardei?

A gente finge que sabe no meio da minha sala. A vizinha grita algo mas a gente nem se incomoda, ela sempre grita. Na nossa boca vai nascendo um sorriso daqueles grandes que deixam os olhos pequeninhos, que cresce tanto que a língua foge pelos dentes.

O descompasso do nosso corpo rodando torto pela sala, me faz não sei dançar e mais de uma vez você me puxou pela cintura e disse que me ensinava. E realmente tentou, nem ligou quando tropecei sete vezes em dois minutos. A casa ficou pequena.

Você fuma um cigarro na janela como o guarda da rua. No intervalo de cada trago, me olha, como se soubesse todas minhas manias e dizia que para durar tinha que recarregar, igual bilhete único, sabe? Para seguir no caminho certo tem que ter certeza que sempre tem o suficiente.

Aí a música acabou como sempre acaba e você me conhece, toda vez que perco meu bilhete, pego um novo.

*Lockdown/2020

Seria rápido.

Eu poderia fazer com que você esquecesse tudo. As músicas que aprendeu com ela, as danças, os beijos, os toques que reutilizava em mim. Uma lobotomia, deixando as dores na minha memória.

Eu pararia. De verdade mesmo. Pararia de perder horas do meu dia procurando vestígios sobre mim. Lembrando do que já foi enterrado. Pararia de dividir com outras pessoas que meu coração chama pelo seu nome. Um pulo curto, deixando a água se espalhar pelo rio.

Dei em cima de todas as pessoas que você conhece mas não consegui ir em frente. Eu via as suas piadas, suas músicas, as referências que te ensinei passadas para frente, te montei com o melhor que eu tinha. Um grito súbito, deixando os vizinhos preocupados.

Não aprendi a teoria de nada. Gramática, arte, escrita. Só deixo vir e, as vezes, vem tudo errado. Coisa que também é certa. O que é um acento quando uma palavra traz uma lágrima? O que é um sorriso quando o caminho não tem sentido? O que são as dores inventadas pelos dedos pelo teclado? Um tiro rápido te faria esquecer, deixando as lembranças pela parede.

DM

As vezes a gente entra tão fundo no buraco dos nossos próprios anseios que a vida corre além da caixinha de remédios. Aquela, sabe? Na mesa da cozinha. Que é pra te impedir de pular.
O que a gente não espera é a flor que nasce na nossa espinha, o suporte das raízes.
As letras correm pelo seu corpo, gritando todo o seu passado. Te expondo pro mundo.
Pra renascer colorida e se entregar por inteira ao jardim de sorrisos. Deitar na grama, esquecer a dor para adubar o amor.
Carregar o som dos passarinhos aos ouvidos de todos que sentem sozinhos.
Dores parecidas se reconhecem.
Amores fortes permanecem.
Deixa eu te ver, tira a mão dos olhos.
Mergulha, sente o mundo girar, dos seus pés brotar uma árvore de infinitos, cicatrizes para mostrar que ser forte é se permitir desabar.

Cotovia

Bateu a taquicardia
A conhecida
Cabeça doida
Coração na mão
Acha que incomoda
E você veio
Mansinho
No meio da minha tarja preta
Recitar Romeu e Julieta
Perco um pouco o passo
Não tenho noção do espaço
Você e o cheiro de café passado
Sorte minha cair nos seus braços

13h

Você me enrolou em suas tranças e fez do meu pulmão o seu.

Minhas lágrimas no seu ombro fluiam como tempestade que deixa bravo o mar de dentro.

Todo dia é uma batalha diária, uma guerra inteira em 24 horas. Você tá na linha de frente comigo e só por isso não desisto. Olho pra frente buscando razão, olho pro lado segurando sua mão.

Coração na mão

Eu sinto em todos os meus ossos os gritos da minha cabeça

Eles escorrem pelos olhos e tudo dói

Você chegou no meio do furacão

Minha guarda tá baixa, eu ando sentindo tudo ao mesmo tempo

Na terapia, disseram que isso mesmo o que tem que acontecer. Me deixar sentir. Mas eu sinto demais.

Me culpo pq acabo me apoiando em você

Não é justo

Lembra da gente como estamos hoje

Meu pulso arde

Minha proteção se perdeu

Me entregar dá medo

Sentir da medo

Eu não tô acostumada

Sempre reprimi tudo

Lembra da gente como estamos hoje

Hoje eu lidei com tudo sozinha

E quis d e s a p a r e c e r

Não me olha.

A casa inteira caiu. Começou pelo teto, escorreu pelas paredes, sujou os armários e abriu um buraco no chão.

Ele me encarava de baixo e não era do jeito que eu costumava gostar. Suas mãos desmancharam de tijolo a tijolo toda a certeza que era só minha. Meus sentimentos se misturam no cimento do nó da sua mão na minha cara. Não. Eu não vou mentir dessa vez. Ele não me bateu. Não com as mãos, sei que se eu falar que me bateu com as palavras vai ficar parecendo um folheto daqueles poetas do masp que a gente compra por dó.

Eu não tenho mais dó de ninguém. As pessoas não são más, só estão perdidas é a puta que pariu. Eu vi de perto os olhos de fogo de quem sabe o que faz. De peito aberto a fumaça entrou e não saiu mais. Eu ainda queimo. As vezes. Depende.

É como faísca. Uma palavra, uma música, um perfume faz com que tudo se perca e eu não sei dizer mais nada. Meu rosto inteiro molhado busca a superfície.

Mas a casa caiu.

Começou pelo teto, escorreu pelas paredes, sujou os armários e me derrubou no chão.

Mas eu volto.

Não duvida não.

Não tem casa, não tem tapa, não tem fogo que tire de mim a força que minha avó me passou. A dureza que minha mãe me ensinou. A leveza da risada do meu pai e a lealdade cega do meu irmão.

Pode mexer, pode derrubar

Mas, pro seu bem, torce pra eu não voltar.

Já virou qualquer coisa

Eu tinha aqui dentro um tipo de ziquizira, parecido com um quériquéri que ia corroendo todo o meu zibiribi sem nem saber pra onde ia.
Tipo um gurigueri, sabe? Aquela coisa que arde meio qualquer coisa?
Quando você esquece o meu nome meu corpo todo se jurere, aí cê volta como quem não quer quilili e eu deixo passar
Dessa vez a ziquizira fez gira e ai de mim se ignorar, todo meu zibiribi explode e eu vou pra qualquer lugar.