Era para ser um conto doce e bonito.
Um conto que durasse três dias e duas noites.
Algo suficientemente grande para caber o seu sorriso e uma xícara de café.
Suficientemente grande para eu me perder a ponto de esquecer que depois do vidro da janela existe um caminho imenso.
Não queria nada épico, embora você mereça, queria algo simples e muito bonito, como essas coisas costumam ser.
Mas guardei as palavras para mim e resolvi só sentir. E, assim, poder me dar ao luxo de esquecer de tudo lá fora.
Só para viver mais um conto com você.
Sentimentos.
A única coisa que deveria vir com controle remoto.
B-Sides.
Adoro os dias de sofá.
Gosto, especialmente, do jeito inevitável com o qual minha cabeça descansa em seu ombro; parece que o tempo para, congela, para que eu possa ver seu rosto formando um sorriso.
Adoro o jeito que dança e ao mesmo tempo, deixa seus olhos nos meus para que eu construa minha casa.
É um ritmo envolvente, esse do sofá, é como se um casulo morno tomasse conta dos nossos corpos para, então, flutuar e voltar só para poder voar novamente.
Eu adoro os dias de você.
Maria Luiza
Algumas dezenas de pessoas sem nome, com vida sofrida
Vivendo, respirando, abrindo uma janela, espremidas
A criança que chora, a senhora que reclama
A vida que passa, a roda suja de lama
São 7 horas da manhã
Do dia que não nasceu.
Só passou.
Sobreviveu.
A noite a mesma história, a janta é o almoço de ontem
No jornal nenhuma novidade, a novela ninguém vive sem
Eu me peguei olhando pela janela, acho que vou pegar qualquer trem
Para disparar por cima dessa vida já sabida
Quem sabe no próximo ponto, venha uma idéia melhor.
Quem sabe na idéia melhor, venha um próximo ponto.
Morra Lílian.
Ela escrevia por todos os lados que se achava “fora do corpo” , como se o coração batesse sem música, costumava dizer que não se importava com os acontecimentos banais da vida que pensava em quantas formas se mataria: arma, estilete, rodovia. Sozinha. Não sei dizer o porque, talvez ela seja uma daquelas almas com feridas mal cicatrizadas que evita todo e qualquer espelho.
Não conversava comigo, ela não deixa ninguém se aproximar. Percebi esses detalhes depois de tanto procurar fazer parte dela e ao ler um caderno surrado que ela esquecera no estúdio em uma segunda-feira. Era óbvio que eu não poderia devolvê-lo pessoalmente, isso a destruiria, ter seus segredos descobertos assim, por um deslize da memória.
Eu queria ser dela, todo e só dela, mas ela estava ocupada demais olhando pro chão para olhar para o lado.
Eu não a conhecia mas a reconhecia, tive a impressão de vê-la em mim. Eu era recém formado e ali era o meu primeiro emprego, tudo muito bizarro, meus olhos pararam nela como se ela fosse a única pessoa ali, sentada no fundo da sala com os olhos encarando uma folha de papel, achei que chorava, mas não, os olhos dela são assim, marejados. Eu amo isso. São de um castanho quase cinza e os cabelos cor de cobre ou qualquer coisa do tipo, depende da luz.
Resolvi ir até ela, andei inspirado em Marlon Brando em “O Selvagem”, não tinha como ela resistir; sentei, passei a mão no cabelo, sorri torto e disse “Oi”, ela me devolveu um “oi” vazio, que transformou meu Marlon Brando em Thom Yorke. O que será que a ocupava tanto? O que será que havia acontecido com ela? Por que ela não olha pra mim?
Porra, ela me apresentou as crises existenciais.
Ela me irrita às vezes, a Lílian, por ter criado essa barreira estúpida entre as pessoas. Entre nós.
Depois do caderno eu tive um pouco mais de paciência com nossas conversas monossilábicas e a maneira que ela não me deixa olhar em seus olhos. Cheguei mais cedo na terça e deixei o caderno onde deveria estar e fui até a lanchonete tomar meu café. Quando a vi ela sorria, eu duvidava que ela tinha dentes. Parecia que ninguém ali a enxergava, achei bom que não, não suporto competição e ter que chamar a atenção dela sem ninguém por perto já é difícil imagine se ela estivesse sempre rodeada por rapazes cheios de hormônios querendo tocá-la em todas as partes que já são minhas.
Eu quero bater nela. Não, talvez não seja muito apropriado. Eu quero alguma reação.
Quer saber? Morra Lílian.
Renasça em mim.

Lílian by Gabriela Bonavita Sarti is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil License.
Estação
São poucas as horas de distância do nosso último beijo até agora.
Mas sinto saudade de quem não te vê a um ano
Como se cada manhã você chegasse de viagem e eu te visse com a vontade que a saudade trás;
Mas como sempre, você esquece a bagagem
Retorna para onde não te vejo
Enquanto isso acontece te beijo e beijo em pensamento o tempo inteiro
Divido a cama e a vida para escutar seu canto, enxugar seu pranto, dançar seu ritmo, aumentar meu encanto.
Terça-Feira
Abri todos os armários da casa, procurei em cima da cama e embaixo dela. Revirei a gaveta e os olhos. Eu nunca acho uma coisa quando a quero. Para melhorar, eu esqueci o que eu tanto procurava e só continuei de raiva. Desisti e fui terminar de me vestir, afinal, um ônibus lotado me chama, todas aquelas pessoas indo para o mesmo lugar…se todos os desempregados arranjarem emprego onde vão enfiar tanta gente nos ônibus? Tá na hora de eu pegar mais o carro. Além do ônibus parecer uma micareta sem a pegação (graças a Deus) tem esse calor, esse inferno que resolveu dar uma volta por aqui, se isso continuar vou me liquefazer, certeza. E teve o motorista lerdo, que quis parar em todos os pontos e o cara bravo que gritou que ia encher o motorista de porrada se ele parasse de novo, o riso veio fácil e o estresse foi pela janela e todas aquelas pessoas que se veem e vão para os mesmos lugares todos os dias resolveram saber um pouco mais sobre as outras, ouvi histórias sobre os netos, sobre o trabalho e sobre pressão baixa. Já na faculdade encontrei aqueles que me arracam uma risada fácil com quase nada, logo depois você chegou também e de mim você já tem tudo. Comprei o ingresso para a festa do fim-de-semana só para esquecer que a vida de adulto responsável chega cada vez mais perto, só para reencontrar aquela alegria infantil em uma piada sem graça e uma cerveja gelada.
Seu.
Distancei-me de mim
Deixei que me levasse, enfim.
Se houver, se vier. Se.
Sigo pelo caminho onde não se vê nada.
Risada. Sua.
Leve, leva, flutua.
Te respondo “sim”.
Mãos dadas pela estrada, no carro, na praia.
Metade de um inteiro.
Chuva pelo canteiro.
Espera que eu não demoro. Nem vou.
De madrugada a forma pura.
Danças pela sala, palavras. Cruzadas.
Gaivotas, garrafas, coisas inesperadas.
O passado vira areia em mãos abertas.
O presente de presente.
Para mim.
De você.
Ninguémais.
Abriu o farol e eu fiquei na faixa, não queria atravessar, nem mudar o rumo.
Quis só observar. O cinza, os carros, as pessoas que nem se olham.
E vi que a importância de quem não se importa não passa batida pelos pés daquele cara sujo sentado no ponto de ônibus.
Descobri mais tarde que ele não estava só de passagem, estava preso ali, sem bilhete, sem vontade, sem comida.
O que ele queria era só um olhar, um pisar mais perto que o percebesse. Que o notasse sem o costumeiro pedido de “Por favor retire-se.”
As buzinas começaram a me expulsar dos meus pensamentos, recomecei a andar e percebi que ele sorria pra mim e dizia que “a vida é dura menina, mas é minha…e de mais ninguém.”
De mais ninguém, repeti, enquanto sorria de volta.
Chaves e batatas.
Um amigo anda preocupado com o avô que está no hospital. Odeio quando avôs vão para o hospital, seja para qualquer coisa. A minha preta vive em médico disso, médico daquilo, eu já falei pra ela parar e ir tomar uma cerveja comigo. Ela só toma cerveja preta.
E essa assunto de avós me lembrou do meu avô.
Meu avô morreu em novembro. Ele era grande e me chamava de Chica (Tchica) apesar de ser um puta italianão, falava alto, bem alto e com as mãos. Eu adorava o jeito que ele dançava, ele dava uma rebolada daquelas que você estica os braços para frente e balança pra lá e pra cá e as chaves batiam nele mesmo e ele ria. Me lembro do barulho das chaves misturadas com a risada e isso faz rir até hoje.
Lembro do dia que ele levou meu irmão para brincar no fliperama do Shopping Butantã e eu estava na escolinha, quando voltei para a casa da minha vó eles não estavam lá e achei aquilo estranho. Quando entraram pela porta fui direto perguntar onde estavam e meu avô me disse que tinham ido lavar o carro, só que meu irmão estava com um pacotinho de pipoca escrito “Shopping Butantã” e eu falei isso para ele. Ele riu alto “Mas olha só, já sabe ler Chica? Quanto tempo eu passei na rua?” e me levou pra comer algodão-doce.
Me lembro do quanto ele amava batata, seja ela frita, assada, no frango, talvez por ter sido batateiro na feira. Imagem o tamanho dele! Ele pode parecer muito maior pra mim, pela grande admiração, pelas risadas, pelos pulos que eu dava nele a toda hora, por pintar comigo o caderno de desenhos, me dar o primeiro gole de pinga, pelas tardes na cantina do colégio que ele trabalhava, pelo abrigo na chuva e por todas as vezes que me protegeu das baratas mutantes comedoras de Gabriela que apareciam na casa dele.
Nunca disse nada disso diretamente, mas nunca fomos de sensibilidades, com a gente era piada, risada, filme de velho oeste e jogo. De futebol, de vôlei, de basquete, de golf, a gente assistia qualquer coisa. Quer dizer, até ele dormir no sofá e eu colocar em outro canal.
Hey Seu Vicente, já passaram três anos desde o seu último sorriso mas ele tá aqui guardado comigo refletido em toda e qualquer risada minha. E vê se desiste, eu ainda não vou te dar um pedaço do meu cabelo para cobrir sua careca, acho que agora a cor não vai combinar muito. E nesse natal eu prometo me entupir de batatas igual a gente fazia.