Você é uma música do Hozier.

Queria escrever sobre você. Algo que te fizesse entender o que bate aqui dentro. Mas não consigo, comecei esse texto três vezes e nada parece certo. Quero colar meu coração no teclado que deixar que ele mesmo diga, que com cada batida ele traga uma nova palavra e outra e outra e que nasça uma nova linguagem capaz de dizer o que quero dizer.

Que seu corpo entrelaçado no meu é certo. Que o sol iluminando seu rosto deixa seus olhos ainda mais lindos. Que toda manhã que você precisa ir é um desespero para que volte de novo. E isso é novo. Quer dizer, não é novo, eu sabia que existia, eu sabia que tava guardado em algum lugar, mas deixar sair assim, não ter medo mais, isso é novo.E eu uso vírgulas demais pq não sei como escrever, não sei como dizer, não sei como pontuar.

Quero segurar meu coração na mão e deixar que ele grite seu nome, que ganhe o espaço que tanto procura para caber tudo o que é seu, pra te entregar todo o meu presente, deixar chegar o futuro.

Dama de copas

E no final do nosso dia choveu, como tende a acontecer depois que o sol machuca nossa pele. Choveu como um pedido de desculpas pelo passado e uma limpeza pro futuro.


Poucas coisas são perfeitamente desenhadas quanto as linhas que formam seu nariz ou a mistura de cores que desaguam nos seus olhos.
Sinto meu peito cheio de coisas que quero te entregar, te mostrar, ao mesmo tempo que não tem coragem de levantar da cama quando te sinto do outro lado.


Poucas coisa se encaixam tão perfeitamente bem quando meu corpo no seu, a sua piada no meu riso, o começo do meu nome e o final do seu.


Que besteira a minha duvidar que você existia.

Paloma

Era nova demais quando a barriga começou a crescer. Sabia muito da vida mas quase nada do todo. Desde criança aprendeu que quem não grita não come, foi criada em casa mas é filha da rua. Passou para o bebê toda a força que não sabia guardar. A mesma explosão de raiva que a faz jogar as coisas contra a parede, virou proteção. Uma leoa com os cabelos armados. A mãe do menino que quase nasceu no palco.

Mas não é sobre ele que quero falar. Ela, que passa batom para ficar em casa e ri com a voz rasgada, pega um violão com a corda desgastada, canta e diz que não sabe, sofre e diz que não cabe. Um empurrãozinho e abre a asa igual passarinho. Derruba o teto da varanda com a força do vento, o centro da cidade é um borrão de cimento. Ela volta, coloca o menino nas costas e parte pro mundo, montando um ninho em cada carinho, buscando um espaço que caiba sua juba, suas asas, seus sonhos e um vinho.

É segunda a noite e ela finge que dorme. Com os olhos escondidos mirando a janela, o mundo chama. Eu jogo no vento um sussurro baixinho para que ouça o quanto acredito nela. Ouviu? O mundo chama, não tem culpa quem ama. Ouve e não tem medo não. Sê inteira, sê fogo.

*Lockdown/2020

Você viu onde eu guardei?

A gente finge que sabe no meio da minha sala. A vizinha grita algo mas a gente nem se incomoda, ela sempre grita. Na nossa boca vai nascendo um sorriso daqueles grandes que deixam os olhos pequeninhos, que cresce tanto que a língua foge pelos dentes.

O descompasso do nosso corpo rodando torto pela sala, me faz não sei dançar e mais de uma vez você me puxou pela cintura e disse que me ensinava. E realmente tentou, nem ligou quando tropecei sete vezes em dois minutos. A casa ficou pequena.

Você fuma um cigarro na janela como o guarda da rua. No intervalo de cada trago, me olha, como se soubesse todas minhas manias e dizia que para durar tinha que recarregar, igual bilhete único, sabe? Para seguir no caminho certo tem que ter certeza que sempre tem o suficiente.

Aí a música acabou como sempre acaba e você me conhece, toda vez que perco meu bilhete, pego um novo.

*Lockdown/2020

Seria rápido.

Eu poderia fazer com que você esquecesse tudo. As músicas que aprendeu com ela, as danças, os beijos, os toques que reutilizava em mim. Uma lobotomia, deixando as dores na minha memória.

Eu pararia. De verdade mesmo. Pararia de perder horas do meu dia procurando vestígios sobre mim. Lembrando do que já foi enterrado. Pararia de dividir com outras pessoas que meu coração chama pelo seu nome. Um pulo curto, deixando a água se espalhar pelo rio.

Dei em cima de todas as pessoas que você conhece mas não consegui ir em frente. Eu via as suas piadas, suas músicas, as referências que te ensinei passadas para frente, te montei com o melhor que eu tinha. Um grito súbito, deixando os vizinhos preocupados.

Não aprendi a teoria de nada. Gramática, arte, escrita. Só deixo vir e, as vezes, vem tudo errado. Coisa que também é certa. O que é um acento quando uma palavra traz uma lágrima? O que é um sorriso quando o caminho não tem sentido? O que são as dores inventadas pelos dedos pelo teclado? Um tiro rápido te faria esquecer, deixando as lembranças pela parede.

DM

As vezes a gente entra tão fundo no buraco dos nossos próprios anseios que a vida corre além da caixinha de remédios. Aquela, sabe? Na mesa da cozinha. Que é pra te impedir de pular.
O que a gente não espera é a flor que nasce na nossa espinha, o suporte das raízes.
As letras correm pelo seu corpo, gritando todo o seu passado. Te expondo pro mundo.
Pra renascer colorida e se entregar por inteira ao jardim de sorrisos. Deitar na grama, esquecer a dor para adubar o amor.
Carregar o som dos passarinhos aos ouvidos de todos que sentem sozinhos.
Dores parecidas se reconhecem.
Amores fortes permanecem.
Deixa eu te ver, tira a mão dos olhos.
Mergulha, sente o mundo girar, dos seus pés brotar uma árvore de infinitos, cicatrizes para mostrar que ser forte é se permitir desabar.