Morra Lílian.

Ela escrevia por todos os lados que se achava “fora do corpo” , como se o coração batesse sem música, costumava dizer que não se importava com os acontecimentos banais da vida que pensava em quantas formas se mataria: arma, estilete, rodovia. Sozinha. Não sei dizer o porque, talvez ela seja uma daquelas almas com feridas mal cicatrizadas que evita todo e qualquer espelho.

Não conversava comigo, ela não deixa ninguém se aproximar. Percebi esses detalhes depois de tanto procurar fazer parte dela e ao ler um caderno surrado que ela esquecera no estúdio em uma segunda-feira. Era óbvio que eu não poderia devolvê-lo pessoalmente, isso a destruiria, ter seus segredos descobertos assim, por um deslize da memória.

Eu queria ser dela, todo e só dela, mas ela estava ocupada demais olhando pro chão para olhar para o lado.

Eu não a conhecia mas a reconhecia, tive a impressão de vê-la em mim. Eu era recém formado e ali era o meu primeiro emprego, tudo muito bizarro, meus olhos pararam nela como se ela fosse a única pessoa ali, sentada no fundo da sala com os olhos encarando uma folha de papel, achei que chorava, mas não, os olhos dela são assim, marejados. Eu amo isso. São de um castanho quase cinza e os cabelos cor de cobre ou qualquer coisa do tipo, depende da luz.

Resolvi ir até ela, andei inspirado em Marlon Brando em “O Selvagem”, não tinha como ela resistir; sentei, passei a mão no cabelo, sorri torto e disse “Oi”, ela me devolveu um “oi” vazio, que transformou meu Marlon Brando em Thom Yorke. O que será que a ocupava tanto? O que será que havia acontecido com ela? Por que ela não olha pra mim?

Porra, ela me apresentou as crises existenciais.

Ela me irrita às vezes, a Lílian, por ter criado essa barreira estúpida entre as pessoas. Entre nós.

Depois do caderno eu tive um pouco mais de paciência com nossas conversas monossilábicas e a maneira que ela não me deixa olhar em seus olhos. Cheguei mais cedo na terça e deixei o caderno onde deveria estar e fui até a lanchonete tomar meu café. Quando a vi ela sorria, eu duvidava que ela tinha dentes. Parecia que ninguém ali a enxergava, achei bom que não, não suporto competição e ter que chamar a atenção dela sem ninguém por perto já é difícil imagine se ela estivesse sempre rodeada por rapazes cheios de hormônios querendo tocá-la em todas as partes que já são minhas.

Eu quero bater nela. Não, talvez não seja muito apropriado. Eu quero alguma reação.

Quer saber? Morra Lílian.

Renasça em mim.

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Lílian by Gabriela Bonavita Sarti is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil License.

3 comentários sobre “Morra Lílian.

  1. Nossa Gabs! Sensacional…

    [um “oi” vazio, que transformou meu Marlon Brando em Thom Yorke. ]

    uahuahua! descreveu algo muito complexo de um jeito simples e totalmente verdadeiro!

    o proximo passo é parar no trianon e declamar o texto pra outras pessoas! auhauahuahua

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