Maria do Socorro 

Lembro como se fosse ontem do passarinho que entrou pela janela e atravessou a cozinha como se pertencesse ali.
Passou rasante sobre a mesa ameaçando o seu vaso preferido e foi embora como se não fosse doer.
Ao mesmo tempo, o telefone tocou.
Meu coração sentiu cada chamada.

Você também foi embora.
No dia choveu como não chovia há dias.
Eu chovia inteiro, cada poro do meu corpo se transformava em tempestade, raios nas pontas dos dedos cada vez que te tocava.
É como se você tivesse tomando um banho com a água gelada que batia lá fora.
O mundo agora te envolve em um manto de renda.

Levei o seu vaso de orquídea preferido no vasinho preto de plástico que ela sempre viveu. Minhas mãos parecem grandes demais, eu pareço grande demais.
“Queria que tivesse sido eu a levantar voo”
De vez em quando a minha memória era solidária a minha dor e me fazia esquecer o real motivo de toda essa gente estar me doando sentimentos.
É egoísta pensar que eu quem deveria ter ido porque aí você é quem sofreria.
E eu não machuco passarinhos.

Uma vida toda guardada em uma caixa de madeira.
Fadada ao meu esquecimento.
A única certeza que a gente tem é triste.

Como dizia, no dia chovia.
Mas no momento em que o mundo abriu os braços para o seu descanso, o céu foi sonoro.
Mais de dez pássaros vieram te ensinar a viver lá de cima.
Olhando em volta, todos os meus amigos estão com os cabelos brancos.

Agora é só questão de tempo até o manto do mundo vir cobrar suas dívidas.
Suas saudades.
Suas vontades.
Sua voz.
Amém.

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